domingo, 19 de dezembro de 2021

Hoje está bom pra caçar tatu


No mundo dos investimentos, o momento é de paciência. Valor nominal de patrimônio menor que o início do ano (vide IFIX e IBOV) e não há muito a fazer a não ser aportar um pouco quando dá e melhorar o preço médio em tudo, nunca deixando de aproveitar pra reforçar a renda fixa diante dos juros cada vez mais atrativos.


No mundo sem cotações piscando, a constante descoberta de novas realidades dentro do próprio Brasil traz reflexões profundas.


Após estadias em Aurora do Tocantis/TO e Santo Inácio, distrito de Gentio do Ouro/BA, reforcei o pensamento de quão privilegiado eu sou (e provavelmente você também). Respectivamente, os locais de 3 mil e 250 (duzentos e cinquenta mesmo) habitantes.


Em Aurora há uma deficiência imensa de estrutura, mas o povo é feliz. Tive a oportunidade de conversar várias tardes e noites com os moradores (viva o botequim) e, ao falar sobre a falta de coisas que há nos mini-mercadinhos da cidade, fiquei intrigado com a unanimidade dos presentes que jamais provaram alimentos como pera, berinjela, abobrinha, fruta do conde, couve, dentre muitas outras. Nada disso tem nos mercados da região. Nem preciso falar sobre cervejas artesanais, vinhos finos, chocolates premium, itens importados, etc. Não há com frequência alface e outros itens que considero básicos; as poucas verduras e legumes que chegam ao local são semelhantes ao que o CEASA costuma descartar, lamentavelmente.

No meio do papo regado a cerveja não-artesanal em copo americano, o dono do bar olha a lua cheia no seu, avalia a temperatura amena e manda:

- Hoje está bom pra caçar tatu.


Dei um sorriso amarelo, sem saber se era uma gíria, uma piada ou uma constatação. Perguntei se era tatu mesmo, o bicho, e ele disse que sim. Tatu era uma delícia, rende uns 2 a 4kg de carne a depender do porte do bicho. Passou a me explicar os pormenores das espécies de tatu e técnicas de caça, até a melhor forma de cozinhar.


Longe de estimular a caça de animais silvestres, fiquei fascinado com a narrativa do tatu e outros ensinamentos como, por exemplo, trancar as galinhas por 15 dias antes de matar pra comer para “limpar” o sistema dela, dando só ração. As galinhas, criadas soltas pelo terreno que o boteco fazia parte, comiam escorpiões, baratas e todo tipo de coisas que não imaginamos, e quando eram mortas e cozidas sem “limpar”, o gosto não ficava tão bom (por que será?!).


Interessante também fora um morador de Santo Inácio explicando a caça e preparo de um mocó, que também pode ser encontrado à venda (informalmente, claro) por R$ 10,00. Vi alguns deles durante caminhadas e jamais imaginei que fossem consumidos. Um mocó pra você ver:

 


Em um universo que você (provavelmente) e eu vivemos, de inúmeras opções de marcas, sabores e qualidades para cada alimento, variedades, produtos sem glúten/lactose/BPA/aditivos/corantes/conservantes/gordura trans/etc, presenciar uma vida de décadas à beira da escassez, comendo o pouco que se tem no mercado e o que se caça no entorno renovou, mais uma vez, o sentimento de extremo privilégio que temos sem nos dar conta, muitas vezes reclamando de coisas tão pequenas.


Da próxima vez que você estiver sonhando com uma cobertura com vista pro mar para ser feliz, tente se lembrar que haveria alguém muito satisfeito por ter um tatu à mesa.


Abraço

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

2 anos de blog - balanço

É impressionante como as coisas mudaram. Do final de 2019 para agora aconteceram tantas mudanças pessoais e profissionais que fica até difícil de resumir. Vou tentar fazer um breve balanço por temas:


- Trabalho/aposentadoria precoce: a ideia radical de parar de trabalhar 100% foi por água abaixo quando meu sócio, que tocaria sozinho minha vaca mais gorda, resolveu pular do barco ao final de 2020, justamente quando eu faria o mesmo. Sem poder deixar clientes à deriva, optei por continuar trabalhando até finalizar os contratos pendentes. Se Deus escreve certo por linhas tortas, esse ponto foi a prova porque percebi que uma ocupação com carga horária reduzida não só ajuda a me manter intelectualmente ativo e me sentindo “no mercado”, como me dá uma segurança financeira e psicológica maior diante de uma autodeclaração de FIRE em meio a uma pandemia que parece não ter fim e não ter alívio econômico tanto real quanto virtual/financeiro.


- Investimentos: nestes dois anos de blog vi meu patrimônio crescer 20%, o que não é grande coisa, considerando que a maior parte do crescimento veio de renda ativa. Curioso ver que o dólar estava R$ 4,05 no início do blog. Transformei minha carteira que era 100% crescimento em 45% geradora de renda recorrente (FIIs, imóveis e ações) e 55% em crescimento. É um patamar que já me presta renda o suficiente para o orçamento mensal e me deixa confortável de não perder o bonde do que possa vir a apreciar valor nominal expressivo. Dinheiro não deixou de ser uma preocupação, só mudou o foco de “como pagar as contas mês que vem” para “como manter a perpetuidade – pela inflação – do que já possuo hoje”. É uma preocupação pequena, mas não deixa de ser.


- Família/amigos: falando agora só do último aniversário do blog (dez/20 a dez/21), tive a felicidade de ver minha mãe se curando de uma doença e uma avó resistindo a cirurgias e tratamentos pesados e ficando com poucas sequelas permanentes; tive a infelicidade de perder dois avôs em curto período de tempo e de ver minha irmã não responder a diferentes tratamentos a uma doença que lhe gera dor e lhe tornam incapacitada para boa parte das atividades cotidianas, inclusive trabalhar, com menos de 40 anos de idade. Quanto a amigos, naturalmente perdi ou diminui contato com muitos em razão da distância física (e sanitária da pandemia, por que não?!), mas também fiz novos amigos por onde passei na vida nômade; tive o prazer de reencontrar alguns durante a viagem, seja indo a meu encontro de férias, sejam migrantes do RJ que hoje moram em alguma cidade que visitei. Decidi também, após muita deliberação pessoal, por cortar laços com alguns que nada acrescentam positivamente em nada há muito tempo. Essa última decisão foi um tanto difícil.


- Vida nômade: se no início da vida nômade a palavra-chave do sucesso era FLEXIBILIDADE, às vésperas de completar 1 ano, diria que INTENSIDADE foi o que definiu este período até então. A quantidade de experiências vividas e acumuladas foram quase por uma vida toda. Culturas, hábitos, estilos de vida, paisagens, educação, civilidade, segurança, saúde, privações, farturas, aparências e comidas diferem brutalmente dentre os locais que conheci nos últimos doze meses, me tornando extremamente privilegiado por vivenciar e poder absorver. Há pouco ouvi um balanço do Mad Fientist sobre os 5 anos de vida FIRE dele e me encontrei num lugar comum que ele mencionou: quanto tudo é extraordinário, fica cada vez mais difícil o regozijo. Depois da 10ª cachoeira, praia ou montanha visitada, por mais que cada uma tenha sua peculiaridade, a graça já não é mais a mesma. Agora, somente o MUITO diferente traz à tona a sensação que tinha no início da viagem a cada vez que via algo novo. Decidi (leia-se: a Sra. AC decidiu e eu concordei) que tive o bastante por ora e vamos fincar bandeira em algum lugar a partir de março/22. Até lá, a brisa segue soprando a vela.


- Disciplina: para o trabalho, nunca faltou e nem consigo me imaginar sem; para exercícios, houve uma inconstância gigante de disposição para me exercitar, por vezes passos vários dias seguidos fazendo exercício, por vezes passo semanas sem um abdominal sequer e, pra melhorar, comendo chocolate, fritura e cervejinha regularmente. A verdade é que, na parte da saúde e estética corporal, conto os dias para morar numa residência fixa, voltar pra uma academia, saber qual mercado compro bom hortifruti, etc. Pode acreditar: é bem mais difícil fazer isso tudo cada hora numa cidade nova e desconhecida (e muitas vezes sem estrutura alguma para manter boa alimentação ou local para se exercitar).


- Crescimento pessoal: há quase duas décadas sou consumidor de conteúdo para crescimento psicológico, evolução mental, auto-ajuda, chame como quiser. Não pretendo parar de consumir. Se por um lado acabei consumindo menos conteúdo assim no último ano, por outro tive maior tempo para digerir tudo que vivenciei e repensar diversas questões pessoais (como algumas amizades, tal qual mencionado acima). Quase sem notar, desenvolvi um hábito de me questionar e desenvolver hipóteses antes de tomar ações e isso me trouxe o problema de assim também fazer com quem converso, algo aparentemente incômodo – em mais de uma oportunidade, pessoas próximas falaram “não pedi sua opinião nem pra discutirmos a respeito, só estou te contando isso”. Fica a dúvida se estou sendo intrometido (algo que nunca fui e abomino) ou as pessoas só não querem suas ideias questionadas nestes tempos que todo mundo tem opinião pra tudo.


- Estatísticas do blog: nesses 2 anos de existências, foram 102.768 visitas, 66 postagens, 800 comentários. O post inicial (Trajetóriado AC) ainda é de longe o mais visitado, seguido por Offshore para investir no exterior, Maximalismo e O fim do capricho.


- Conclusões finais de 2º aniversário: o universo FIRE é absolutamente fascinante e algo que ao mesmo tempo foi ao encontro de muitos pensamentos que já tinha, ainda desorganizados, e também mudou minha vida, acrescentando uma tonelada de conhecimento, me fazendo conhecer pessoas incríveis (algumas até pessoalmente!), e fazer parte de uma comunidade virtual que é cooperativa e solidária.


Peço desculpas aos gatos pingados que ainda leem esse espaço, seja pelos quase 2 meses sem postar nada, seja pela mudança de pegada do blog, cujo primeiro ano teve um conteúdo muito mais técnico e neste segundo ano foi muito mais filosófico e baseado em opiniões pessoais.


Dando uma breve explicação da também omissão do Boteco Fire: iniciei o podcast com a condição de ter mais alguém pra tocar junto. O TR prontamente assumiu a missão e o Sapien Livre chegou em seguida, só que, assim como eu vivo a vida nômade, o TR também vive seu próprio nomadismo semi-sabático e o Gleison também viveu mudanças pessoais nos últimos meses. O Boteco acabou se tornando a última prioridade de todos nós, mas tenham certeza que ele não irá morrer.


Ao leitor, meu obrigado por gastar seu precioso tempo por aqui e meu muito obrigado se ainda comenta e interage. Ao amigo leitor e blogueiro, sempre que posso estou acompanhando sua trajetória e peço perdão por nem sempre comentar após a leitura.


Abraços