A primeira vez que eu transei não foi muito memorável, eu não sabia o que estava fazendo e foi bem rápida. Não é dessa primeira vez que escrevo.
Lembro bem da indescritível sensação da primeira vez que beijei minha atual esposa, da primeira vez que peguei minha filha no colo, da primeira vez que comi algumas comidas maravilhosas, da primeira vez que descobri o universo FIRE, do primeiro grande show que fui (Oasis + Guns ‘n Roses – Rock in Rio 2000), da primeira vez que subi num palco (AC já foi aspirante a rockstar, essa você não sabia), dentre outras agradáveis primeiras vezes difíceis de exprimir em palavras. Também não é dessas primeiras vezes que escrevo neste momento.
Meus dois avôs morreram em menos de 2 meses, primeiro vovó, depois vovô. Vovó já vinha com uma doença crônica há alguns anos, foi se debilitando e o dia chegou. Não era exatamente esperado, mas era “esperado”. Foi duro. Vovô, então viúvo, teve algumas primeiras vezes e dessas que quero falar.
Após 60 anos de convivência, vovô fez a primeira refeição sozinho. A primeira vez que entrou em casa e não viu a vovó, apesar de suas roupas no varal e no armário. A primeira vez que abriu a dispensa e viu as comidas dela. A primeira vez que teve de ir ao mercado e se virar, já que ele “não sabia escolher frutas e legumes direito” (palavras de vovó pra mim, antes de partir). A primeira vez que deitou na cama e ela pareceu grande demais. O primeiro aniversário sem vovó a ser a primeira a lhe dar parabéns e a última a dar “boa noite”. Foram dias difíceis, até que subitamente, veio a primeira vez que sentiu dores e teve de ir ao hospital sozinho. Lá ficou por um dia e teve uma parada cardio-respiratória. Não que ele fosse extremamente saudável, mas não era a hora dele. Não era.
Agora entro a primeira vez na casa deles, minha primeira vez sem vê-los naquele ambiente familiar, que ainda tem o cheiro deles e todas as coisas deles. Ainda tem comida na geladeira e roupas no varal. Parece também ser a primeira vez que meu pai se toca que virou órfão. Se o que sinto já não é legal, pra ele deve ser uma sensação nada bacana. Obs: tenho sorte de ter dois pais, um de nascença e um de criação.
Não sei muito o porquê, mas lembrei de um amigo que matou um cara aos 19 anos, atropelando ele numa via expressa em plena madrugada. Meu amigo não estava alcoolizado e o pedestre atravessava fora da faixa logo após uma curva, suspeitou-se até de suicídio. De toda forma, consigo imaginar todas as primeiras vezes que esse amigo teve. A primeira vez que foi dormir após matar alguém. A primeira vez que dirigiu após atropelar alguém. A primeira vez que voltou a sorrir após ceifar a vida de outra pessoa. Não deve ser fácil.
Essas primeiras vezes me fizeram mais uma vez perceber quão irrelevante é torcer pra um código na tela do seu computador ficar azul e subir, quão ridículo é defender políticos que a gente mal conhece e acha que sabe tudo da pessoa, quão inócuas são discussões sobre atualidades que em poucos dias deixam de ser atuais.
A vida segue e vamos agradecer pelo legado imaterial deixado pelos que se foram e pelo carinho daqueles que aqui ainda estão.
Que suas próximas primeiras vezes sejam do melhor tipo possível.
Beijos (pela primeira vez)
Chorei eu e minha esposa lendo o seu texto, sinto muito pela sua perda.
ResponderExcluirgrande abraço
Obrigado pelos sentimentos Marcus. Como ouvi num vídeo recente, um dia a gente morre, mas todos os outros dias não.
ExcluirAbraço
AC,
ResponderExcluirMeus sentimentos por seus avós.
Acho que uma das piores situações pela qual todos passamos é entrar na casa de alguém e essa pessoa não estar mais lá. Ver as roupas, as louças, enfim, tudo do jeitinho que a pessoa costumava deixar.
E nesse momento, percebemos o que realmente tem valor.
Percebemos o que realmente merece a nossa atenção.
E percebemos também quantas vezes damos tanto valor à coisas que não tem tanta (ou nenhuma) importância.
E quanto tempo perdemos com coisas irrelevantes.
Esse é um daqueles posts para profundas reflexões. E para mudanças, para dar mais valor ao que realmente importa. Fiz um post há 4 anos sobre esse tema, se quiser ver:
Valorize o simples - Simplicidade e Harmonia
Abraços,
Obrigado, Rosana. Exato, no dia a dia a gente se preocupa com tanta coisa que é quase inútil, olhando em retrospectiva. Vou ler o seu post, obrigado pela indicação.
ExcluirAbraço
Oi AC, sinto muito pela sua perda.
ResponderExcluirEu sempre tive essa sensação de como a vida é breve, pelo meu pai ter morrido aos 35 anos, quando eu tinha 3. Ontem, estava conversando com uma amiga, que sugeriu que meu marido poderia ir primeiro em alguma vaga de emprego no exterior, para depois eu ir atrás com as minhas filhas. Reconheço que esse tipo de acordo dá muito certo para a maioria das pessoas, mas para mim, que reconhece a brevidade do tempo, não. Nenhum dinheiro vale o tempo que ficaria longe dele. Espero que você e sua família fiquem bem. Beijos.
Olá Yuka, crescer sem um pai e sabendo que não o verá é algo difícil de assimilar pra quem não viveu a situação.
ExcluirJá ouvi sugestões iguais nestes cenários parecidos que você falou, de ir primeiro um cônjuge, depois o outro pra "se ambientar". A unidade familiar vem acima de tudo e nenhuma ambientação seria completa sem todos juntos, achei sábia sua decisão.
Beijos
Meus sentimentos AC. A vida é mesmo muito curta pra ser desperdiçada com picuinhas. Abs
ResponderExcluirValeu, Vagabundo, tamujunto
Excluirdeu quase um calafrio ler esse texto.
ResponderExcluir"Não que ele fosse extremamente saudável, mas não era a hora dele. Não era." - se fosse eu, morrer assim seria uma alívio maior que continuar vivendo, afinal, o que é a vida sem a companhia de bos relacionamentos?
abs!
É foda, Scant, se por um lado ele perdeu seu relacionamento mais antigo e ativo, ainda teria outros presentes (filhos, netos, amigos) e futuros (novos amigos, uma nova companheira, quem sabe?!). Sempre haverá algo a se ater à vida, por mais escuro que pareça o túnel.
ExcluirAbraço
"Sempre haverá algo a se ater à vida, por mais escuro que pareça o túnel." pode ser, mas dificilmente para maiores de 80.
Excluirfilhos e netos normalmente tem pouco tempo para dar atenção a idosos, fora que ele perdeu pelo menos 50% da qualidade de vida com a perda da esposa nessa altura da vida
uma vida já complicada pela deterioração natural do corpo...
se fosse eu, minha morte seria consolação
Não encontro se quer palavras para comentar.
ResponderExcluirQue texto.
Que o tempo lhe conceda o conforto necessário para seguir em frente,
Pi
Obrigado, PI, o tempo sempre nos conforta.
ExcluirAbraço
AC, sem palavras para falar... me emocionei com seu texto e me solidarizo com você, amigo. Que Deus dê a você e sua família o conforto necessário, e que você siga a jornada com ainda mais clareza da brevidade da vida e desfrute sempre.
ResponderExcluirUm abraço fraterno,
Calango Investidor.
Obrigado, Calango, o conforto cedo ou tarde chegará.
ExcluirAbração
Sinto muito pela sua perda mano...
ResponderExcluirEu perdi minha vózinha a pouco tempo e meu vô tá mal... em momentos como esses que a gente acaba conseguindo enxergar com mais clareza as coisas que realmente importam na vida...
Um forte abraço AC!
Valeu, Ifólogo, era uma situação já difícil pra todos. Quem ficou, está mais triste, mas ele certamente está feliz ao lado dela.
ExcluirAbraço
Meus sentimentos, sem sombra de dúvidas o buraco que fica quando perdemos alguem que amamos é maior que qualquer outro tipo de perda e tenho certeza que você trocaria qualquer bem material para tê-los bem ao lado da família.
ResponderExcluirO pior de tudo isso é que não tem nada que nos conforte realmente, as pessoas podem falar pra você que eles estão em um lugar melhor, que é o ciclo da vida, que não há nada que possamos fazer a não ser rezar e nada disso vai resolver a dor que a gente sente, muitas vezes piora, principalmente quando sentimos que não estão respeitando nossa dor.
Talvez o que precisamos nessas horas é desabar, sentir o que temos que sentir, continuar a vida mesmo que em preto e branco e deixar o tempo passar. Com o tempo, novas alegrias virão mesmo que de maneira diferente e talvez possamos colorir novamente um pouco de nossas vidas.
Grande abraço.
Rumo a IF.