Sentado em frente ao médico, você descreve uma incômoda dor física
que vem sofrendo há algumas semanas. O médico olha pra você e diz:
“só um minuto, vou responder à mensagem de outro paciente”.
Após manusear o celular, o médico te avalia por dois minutos e
pede: “por favor, aguarde alguns minutos que irei falar
com o representante farmacêutico que me aguarda na recepção”.
Furioso, você termina a consulta prometendo nunca mais voltar a esse
médico, já que claramente ele não prestou a devida atenção a seu
problema.
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Em
um recomendado curso de especialização profissional, no qual você
pagou milhares de reais para aprender, o professor com frequência
interrompe as aulas para responder a mensagens de WhatsApp. Quando
perguntado para tirar alguma dúvida em sala de aula, o professor
pede que a dúvida seja dirigida por e-mail ou no grupo de WhatsApp
da turma. Você não pode deixar de notar que o professor dirige 90%
de sua atenção à atraente aluna sentada à segunda fileira da
sala.
Insatisfeito,
você percebe que aquele aprendizado não está tão distante de um
estudo online, possivelmente gratuito.
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Vivemos
na era da informação. Abra agora seu WhatsApp, Telegram, YouTube,
Twitter, Feedly ou outro app de comunicação. Possivelmente há
dezenas de mensagens não lidas, vídeos não assistidos, posts não
avaliados. Sempre haverá. É humanamente impossível, mesmo sendo
aposentado, consumir todo o conteúdo que a Internet produz.
Até
a geração dos anos 90, era extremamente comum ler um livro mais de
uma vez, ouvir dezenas de vezes a mesma música ou disco,
assistir ao mesmo filme (até mesmo no cinema). A
produção do conteúdo era restrita e o público ávido por
entretenimento. A Internet e os avanços
tecnológicos possibilitaram que qualquer pessoa gravasse vídeos, músicas
ou escrevesse textos e os disponibilizassem na rede.
Inegáveis
são as vantagens do farto conteúdo disponível: gratuidade,
democracia, variedade e, por vezes, qualidade. Há MUITO conteúdo
gratuito e excelente na internet. O seu dia, todavia, só tem 24h e é
preciso fazer escolhas. Até o início dos anos 2000, não
precisávamos fazer tantas escolhas, diante da limitação do
conteúdo disponível – acabávamos inevitavelmente vivendo a vida
offline em algum momento.
Atualmente
ficamos famintos por aprender, nos aprimorar, assistirmos ao próximo vídeo do
sábio guru que nos brinda com gotas de sabedoria e reflexão sobre a
vida, lermos sobre a estratégia de investimento do blogueiro/youtuber
milionário. Temos a sensação de que a cada vídeo assistido, a
cada post lido, nos tornamos seres humanos melhores e mais aptos, o
que nem sempre é verdade.
Consumir
conteúdo online é excelente, o problema reside na INTENSIDADE desse
consumo. Minha experiência própria: passei semanas escutando no
excelente podcast “Resumo Cast” resumos debatidos de livros sobre
autoajuda e empreendedorismo. Às vezes escutava 3 ou 4 resumos por
dia, na velocidade 2x e, em poucas horas, parecia que tinha absorvido
a nata de 4 best-sellers. Ledo engano. Até há pouco, assistia
diversos vídeos no YouTube por dia e lia vários posts em blogs da
internet (não sou fã de ler notícias da atualidade, mas poderia se
aplicar).
O
fato é que nosso conhecimento está cada vez mais RASO. Pare e
reflita: é provável que você se lembre da mensagem de algum livro
que leu há 15 ou 20 anos. A razão: você se aprofundou naquele
livro; certamente o leu sem interrupções frequentes de um
smartphone e, com certeza, não terminou dito livro e imediatamente
começou a ler outro. Você aplicadamente concentrou esforços na
leitura e, ao terminar, refletiu sobre ela. Quando foi a última
vez que você assistiu a um interessante vídeo no YouTube, desligou
seu celular e refletiu por alguns minutos sobre o mesmo?
Pois é. Eu sei que você em seguida clicou noutro vídeo e, minutos
após, esqueceu o que assistiu no tal vídeo interessante.
Por
que você exige que seu médico e seu professor dediquem atenção
integral a você (leu direito o início desse post?!) se você não faz consigo?
Tim
Ferriss, no livro Trabalhe 4 Horas por Semana, defende ferozmente que
paremos de perder tempo com notícias irrelevantes e entremos em uma
dieta de informação. Com esse simples passo, teríamos tempo livre
para realizar todas nossas metas e ainda curtir a vida de verdade.
Aprendi isso em 2007 e orgulhosamente sei que, desde então, perdi
poucas horas de minha vida lendo notícias efêmeras (inclusive sobre
a pandemia corrente).
Agora
reflito que necessito de uma “Dieta de Informação 2.0”. Acabei
de me desinscrever de vários canais do Youtube que notava ser
minoria o conteúdo que me atraía. Pretendo restringir a leitura de
blogs e visualização de vídeos conforme a profundidade da reflexão
que me apresentarem. Há pouco assisti a um vídeo que me instigou a
escrever o presente artigo. Ele merecia que eu interrompesse a
atividade de navegar na web e refletisse a respeito. Talvez, se eu
seguisse navegando, três vídeos depois o conteúdo já teria se
esvaído de minha mente.
Não
sou mestre em nada e tampouco me julgo apto para lecionar. Deixo aqui
somente uma reflexão para que, se você gostou do que
ouviu/assistiu/leu, APROFUNDE e REFLITA sobre o conteúdo antes de iniciar nova atividade.
Em
528 A.C. (Antes de Cristo, não “Aposente Cedo”), após 49 dias
de meditação e com a idade de 35 anos, Sidarta Gautama
alcançou a iluminação espiritual. Será que teríamos um Buda se
já existisse a Internet?
Abraço