domingo, 19 de dezembro de 2021

Hoje está bom pra caçar tatu


No mundo dos investimentos, o momento é de paciência. Valor nominal de patrimônio menor que o início do ano (vide IFIX e IBOV) e não há muito a fazer a não ser aportar um pouco quando dá e melhorar o preço médio em tudo, nunca deixando de aproveitar pra reforçar a renda fixa diante dos juros cada vez mais atrativos.


No mundo sem cotações piscando, a constante descoberta de novas realidades dentro do próprio Brasil traz reflexões profundas.


Após estadias em Aurora do Tocantis/TO e Santo Inácio, distrito de Gentio do Ouro/BA, reforcei o pensamento de quão privilegiado eu sou (e provavelmente você também). Respectivamente, os locais de 3 mil e 250 (duzentos e cinquenta mesmo) habitantes.


Em Aurora há uma deficiência imensa de estrutura, mas o povo é feliz. Tive a oportunidade de conversar várias tardes e noites com os moradores (viva o botequim) e, ao falar sobre a falta de coisas que há nos mini-mercadinhos da cidade, fiquei intrigado com a unanimidade dos presentes que jamais provaram alimentos como pera, berinjela, abobrinha, fruta do conde, couve, dentre muitas outras. Nada disso tem nos mercados da região. Nem preciso falar sobre cervejas artesanais, vinhos finos, chocolates premium, itens importados, etc. Não há com frequência alface e outros itens que considero básicos; as poucas verduras e legumes que chegam ao local são semelhantes ao que o CEASA costuma descartar, lamentavelmente.

No meio do papo regado a cerveja não-artesanal em copo americano, o dono do bar olha a lua cheia no seu, avalia a temperatura amena e manda:

- Hoje está bom pra caçar tatu.


Dei um sorriso amarelo, sem saber se era uma gíria, uma piada ou uma constatação. Perguntei se era tatu mesmo, o bicho, e ele disse que sim. Tatu era uma delícia, rende uns 2 a 4kg de carne a depender do porte do bicho. Passou a me explicar os pormenores das espécies de tatu e técnicas de caça, até a melhor forma de cozinhar.


Longe de estimular a caça de animais silvestres, fiquei fascinado com a narrativa do tatu e outros ensinamentos como, por exemplo, trancar as galinhas por 15 dias antes de matar pra comer para “limpar” o sistema dela, dando só ração. As galinhas, criadas soltas pelo terreno que o boteco fazia parte, comiam escorpiões, baratas e todo tipo de coisas que não imaginamos, e quando eram mortas e cozidas sem “limpar”, o gosto não ficava tão bom (por que será?!).


Interessante também fora um morador de Santo Inácio explicando a caça e preparo de um mocó, que também pode ser encontrado à venda (informalmente, claro) por R$ 10,00. Vi alguns deles durante caminhadas e jamais imaginei que fossem consumidos. Um mocó pra você ver:

 


Em um universo que você (provavelmente) e eu vivemos, de inúmeras opções de marcas, sabores e qualidades para cada alimento, variedades, produtos sem glúten/lactose/BPA/aditivos/corantes/conservantes/gordura trans/etc, presenciar uma vida de décadas à beira da escassez, comendo o pouco que se tem no mercado e o que se caça no entorno renovou, mais uma vez, o sentimento de extremo privilégio que temos sem nos dar conta, muitas vezes reclamando de coisas tão pequenas.


Da próxima vez que você estiver sonhando com uma cobertura com vista pro mar para ser feliz, tente se lembrar que haveria alguém muito satisfeito por ter um tatu à mesa.


Abraço

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

2 anos de blog - balanço

É impressionante como as coisas mudaram. Do final de 2019 para agora aconteceram tantas mudanças pessoais e profissionais que fica até difícil de resumir. Vou tentar fazer um breve balanço por temas:


- Trabalho/aposentadoria precoce: a ideia radical de parar de trabalhar 100% foi por água abaixo quando meu sócio, que tocaria sozinho minha vaca mais gorda, resolveu pular do barco ao final de 2020, justamente quando eu faria o mesmo. Sem poder deixar clientes à deriva, optei por continuar trabalhando até finalizar os contratos pendentes. Se Deus escreve certo por linhas tortas, esse ponto foi a prova porque percebi que uma ocupação com carga horária reduzida não só ajuda a me manter intelectualmente ativo e me sentindo “no mercado”, como me dá uma segurança financeira e psicológica maior diante de uma autodeclaração de FIRE em meio a uma pandemia que parece não ter fim e não ter alívio econômico tanto real quanto virtual/financeiro.


- Investimentos: nestes dois anos de blog vi meu patrimônio crescer 20%, o que não é grande coisa, considerando que a maior parte do crescimento veio de renda ativa. Curioso ver que o dólar estava R$ 4,05 no início do blog. Transformei minha carteira que era 100% crescimento em 45% geradora de renda recorrente (FIIs, imóveis e ações) e 55% em crescimento. É um patamar que já me presta renda o suficiente para o orçamento mensal e me deixa confortável de não perder o bonde do que possa vir a apreciar valor nominal expressivo. Dinheiro não deixou de ser uma preocupação, só mudou o foco de “como pagar as contas mês que vem” para “como manter a perpetuidade – pela inflação – do que já possuo hoje”. É uma preocupação pequena, mas não deixa de ser.


- Família/amigos: falando agora só do último aniversário do blog (dez/20 a dez/21), tive a felicidade de ver minha mãe se curando de uma doença e uma avó resistindo a cirurgias e tratamentos pesados e ficando com poucas sequelas permanentes; tive a infelicidade de perder dois avôs em curto período de tempo e de ver minha irmã não responder a diferentes tratamentos a uma doença que lhe gera dor e lhe tornam incapacitada para boa parte das atividades cotidianas, inclusive trabalhar, com menos de 40 anos de idade. Quanto a amigos, naturalmente perdi ou diminui contato com muitos em razão da distância física (e sanitária da pandemia, por que não?!), mas também fiz novos amigos por onde passei na vida nômade; tive o prazer de reencontrar alguns durante a viagem, seja indo a meu encontro de férias, sejam migrantes do RJ que hoje moram em alguma cidade que visitei. Decidi também, após muita deliberação pessoal, por cortar laços com alguns que nada acrescentam positivamente em nada há muito tempo. Essa última decisão foi um tanto difícil.


- Vida nômade: se no início da vida nômade a palavra-chave do sucesso era FLEXIBILIDADE, às vésperas de completar 1 ano, diria que INTENSIDADE foi o que definiu este período até então. A quantidade de experiências vividas e acumuladas foram quase por uma vida toda. Culturas, hábitos, estilos de vida, paisagens, educação, civilidade, segurança, saúde, privações, farturas, aparências e comidas diferem brutalmente dentre os locais que conheci nos últimos doze meses, me tornando extremamente privilegiado por vivenciar e poder absorver. Há pouco ouvi um balanço do Mad Fientist sobre os 5 anos de vida FIRE dele e me encontrei num lugar comum que ele mencionou: quanto tudo é extraordinário, fica cada vez mais difícil o regozijo. Depois da 10ª cachoeira, praia ou montanha visitada, por mais que cada uma tenha sua peculiaridade, a graça já não é mais a mesma. Agora, somente o MUITO diferente traz à tona a sensação que tinha no início da viagem a cada vez que via algo novo. Decidi (leia-se: a Sra. AC decidiu e eu concordei) que tive o bastante por ora e vamos fincar bandeira em algum lugar a partir de março/22. Até lá, a brisa segue soprando a vela.


- Disciplina: para o trabalho, nunca faltou e nem consigo me imaginar sem; para exercícios, houve uma inconstância gigante de disposição para me exercitar, por vezes passos vários dias seguidos fazendo exercício, por vezes passo semanas sem um abdominal sequer e, pra melhorar, comendo chocolate, fritura e cervejinha regularmente. A verdade é que, na parte da saúde e estética corporal, conto os dias para morar numa residência fixa, voltar pra uma academia, saber qual mercado compro bom hortifruti, etc. Pode acreditar: é bem mais difícil fazer isso tudo cada hora numa cidade nova e desconhecida (e muitas vezes sem estrutura alguma para manter boa alimentação ou local para se exercitar).


- Crescimento pessoal: há quase duas décadas sou consumidor de conteúdo para crescimento psicológico, evolução mental, auto-ajuda, chame como quiser. Não pretendo parar de consumir. Se por um lado acabei consumindo menos conteúdo assim no último ano, por outro tive maior tempo para digerir tudo que vivenciei e repensar diversas questões pessoais (como algumas amizades, tal qual mencionado acima). Quase sem notar, desenvolvi um hábito de me questionar e desenvolver hipóteses antes de tomar ações e isso me trouxe o problema de assim também fazer com quem converso, algo aparentemente incômodo – em mais de uma oportunidade, pessoas próximas falaram “não pedi sua opinião nem pra discutirmos a respeito, só estou te contando isso”. Fica a dúvida se estou sendo intrometido (algo que nunca fui e abomino) ou as pessoas só não querem suas ideias questionadas nestes tempos que todo mundo tem opinião pra tudo.


- Estatísticas do blog: nesses 2 anos de existências, foram 102.768 visitas, 66 postagens, 800 comentários. O post inicial (Trajetóriado AC) ainda é de longe o mais visitado, seguido por Offshore para investir no exterior, Maximalismo e O fim do capricho.


- Conclusões finais de 2º aniversário: o universo FIRE é absolutamente fascinante e algo que ao mesmo tempo foi ao encontro de muitos pensamentos que já tinha, ainda desorganizados, e também mudou minha vida, acrescentando uma tonelada de conhecimento, me fazendo conhecer pessoas incríveis (algumas até pessoalmente!), e fazer parte de uma comunidade virtual que é cooperativa e solidária.


Peço desculpas aos gatos pingados que ainda leem esse espaço, seja pelos quase 2 meses sem postar nada, seja pela mudança de pegada do blog, cujo primeiro ano teve um conteúdo muito mais técnico e neste segundo ano foi muito mais filosófico e baseado em opiniões pessoais.


Dando uma breve explicação da também omissão do Boteco Fire: iniciei o podcast com a condição de ter mais alguém pra tocar junto. O TR prontamente assumiu a missão e o Sapien Livre chegou em seguida, só que, assim como eu vivo a vida nômade, o TR também vive seu próprio nomadismo semi-sabático e o Gleison também viveu mudanças pessoais nos últimos meses. O Boteco acabou se tornando a última prioridade de todos nós, mas tenham certeza que ele não irá morrer.


Ao leitor, meu obrigado por gastar seu precioso tempo por aqui e meu muito obrigado se ainda comenta e interage. Ao amigo leitor e blogueiro, sempre que posso estou acompanhando sua trajetória e peço perdão por nem sempre comentar após a leitura.


Abraços

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Business, a arte de estar ocupado

 


“Business” em inglês significa negócio. É comum a pergunta “What business are you in?” para saber qual área ou profissão a pessoa trabalha.


Esses dias li um interessante desmembramento da palavra: business = busy + ness. Busy significa “ocupado”; “ness” é sufixo que tem a função de transformar adjetivos (qualidades) em substantivos abstratos (nomes que indicam qualidade, sentimento ou estado): - happiness (felicidade), - thankfulness (agradecimento), - attractiveness (atrativo).


Resolvi gerar minha própria tradução de business para “a arte de estar ocupado”. Afinal de contas, certamente já lhe perguntaram “o que você faz?”, pelo que você respondeu “sou …. (médico, engenheiro, artista, etc)”. Provavelmente você respondeu o que queriam saber, mas não literalmente à pergunta. Tenho certeza que você faz muito mais do que trabalhar.


Nossa sociedade desenvolveu a necessidade de estar busy através do trabalho, o que acho uma ótima possibilidade. Uma mente vazia tende a criar problemas imaginários, sofrer por antecipação, esperar coisas e eventos que nunca chegam, criar altas expectativas que levam a frustração, dentre outros males que podem até desencadear doenças mentais.


Confesso que já fui um Fire mais xiita, achando que a felicidade plena só vem com a libertação do trabalho (executando ele só quando desejado), porém hoje percebo que o trabalho pode ser uma motivação para muitos ou mesmo a realização de um desejo de se manter ocupado – e ainda ganhar dinheiro com essa ocupação.


Acabamos associando sempre o trabalho ao dinheiro, tanto que sempre adicionamos a palavra “voluntário” quando se trata de um trabalho não remunerado. Por vezes não nos damos conta que cuidar dos filhos, arrumar a casa, ajudar outras pessoas, auxiliar sua comunidade, viajar, etc, é um trabalho; dá pra ficar busy pra caramba só com uma das atividades mencionadas.


A busca pelo dinheiro, por si só, é um business. A galera FIRE consegue dar um passo à frente e, em algum momento, encerrar essa busca louca por grana, a famosa saída da corrida dos ratos. Creio que devamos pensar mais no nosso business após a IF.


Todos precisamos estar ocupados com alguma coisa, pareça ela importante ou não aos outros. Meus businesses no momento são viajar pelo Brasil, cuidar da minha família e finalizar meus trabalhos profissionais pendentes desde antes me decretar FIRE (confesso pegar uma coisinha ou outra nova, 99% com horizonte de término curto e bem definido). Acabo priorizando essas atividades nessa exata ordem, de forma que até peço desculpas aos leitores pela escassez de postagens e sumiço do Boteco Fire (que aliás os senhores Thiago Rezende e Gleison podem gravar sem minha presença sempre, deixe-se registrado). Para o ano que vem já tenho outros businesses em mente (um projeto voluntário na minha área de formação, um site de alcance nacional com foco em reciprocidade, focar mais em esportes, aumentar o nível de leitura, dentre outros).


E você, qual seu business?


Abraço

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Minha primeira vez

A primeira vez que eu transei não foi muito memorável, eu não sabia o que estava fazendo e foi bem rápida. Não é dessa primeira vez que escrevo.


Lembro bem da indescritível sensação da primeira vez que beijei minha atual esposa, da primeira vez que peguei minha filha no colo, da primeira vez que comi algumas comidas maravilhosas, da primeira vez que descobri o universo FIRE, do primeiro grande show que fui (Oasis + Guns ‘n Roses – Rock in Rio 2000), da primeira vez que subi num palco (AC já foi aspirante a rockstar, essa você não sabia), dentre outras agradáveis primeiras vezes difíceis de exprimir em palavras. Também não é dessas primeiras vezes que escrevo neste momento.


Meus dois avôs morreram em menos de 2 meses, primeiro vovó, depois vovô. Vovó já vinha com uma doença crônica há alguns anos, foi se debilitando e o dia chegou. Não era exatamente esperado, mas era “esperado”. Foi duro. Vovô, então viúvo, teve algumas primeiras vezes e dessas que quero falar.


Após 60 anos de convivência, vovô fez a primeira refeição sozinho. A primeira vez que entrou em casa e não viu a vovó, apesar de suas roupas no varal e no armário. A primeira vez que abriu a dispensa e viu as comidas dela. A primeira vez que teve de ir ao mercado e se virar, já que ele “não sabia escolher frutas e legumes direito” (palavras de vovó pra mim, antes de partir). A primeira vez que deitou na cama e ela pareceu grande demais. O primeiro aniversário sem vovó a ser a primeira a lhe dar parabéns e a última a dar “boa noite”. Foram dias difíceis, até que subitamente, veio a primeira vez que sentiu dores e teve de ir ao hospital sozinho. Lá ficou por um dia e teve uma parada cardio-respiratória. Não que ele fosse extremamente saudável, mas não era a hora dele. Não era.


Agora entro a primeira vez na casa deles, minha primeira vez sem vê-los naquele ambiente familiar, que ainda tem o cheiro deles e todas as coisas deles. Ainda tem comida na geladeira e roupas no varal. Parece também ser a primeira vez que meu pai se toca que virou órfão. Se o que sinto já não é legal, pra ele deve ser uma sensação nada bacana. Obs: tenho sorte de ter dois pais, um de nascença e um de criação.


Não sei muito o porquê, mas lembrei de um amigo que matou um cara aos 19 anos, atropelando ele numa via expressa em plena madrugada. Meu amigo não estava alcoolizado e o pedestre atravessava fora da faixa logo após uma curva, suspeitou-se até de suicídio. De toda forma, consigo imaginar todas as primeiras vezes que esse amigo teve. A primeira vez que foi dormir após matar alguém. A primeira vez que dirigiu após atropelar alguém. A primeira vez que voltou a sorrir após ceifar a vida de outra pessoa. Não deve ser fácil.


Essas primeiras vezes me fizeram mais uma vez perceber quão irrelevante é torcer pra um código na tela do seu computador ficar azul e subir, quão ridículo é defender políticos que a gente mal conhece e acha que sabe tudo da pessoa, quão inócuas são discussões sobre atualidades que em poucos dias deixam de ser atuais.


A vida segue e vamos agradecer pelo legado imaterial deixado pelos que se foram e pelo carinho daqueles que aqui ainda estão.


Que suas próximas primeiras vezes sejam do melhor tipo possível.


Beijos (pela primeira vez)

domingo, 12 de setembro de 2021

Criptos não são moedas



Veja se parece absurda a história abaixo:


Eu e uns amigos criamos um produto virtual chamado ‘glerk’. Fizemos uma página para vender glerks, um revolucionário produto que irá mudar a humanidade e a forma com que encaramos o dinheiro. Com glerk você não dependerá de governos, nem de sua mãe para ser feliz e acumular riqueza. O preço do glerk é dinâmico: quanto mais gente comprar glerks, mais caro ele vai ficando; quanto mais gente quiser vender os glerks que tem, o preço dele vai caindo. Nossa página de vendas é totalmente segura devido a uma nova tecnologia que só os sábios sabem explicar.

Não é possível comprar nada com glerks, somente trocar sua moeda local (real, dólar, etc) por glerks. Alguns poucos usuários de glerks também aceitam glerks como pagamento por serviços, infelizmente quase nenhum no Brasil POR ENQUANTO (apesar de já existir glerk há 13 anos).

(história inventada por mim)


Leia agora o conceito de moeda (Wikipedia):


Moeda é o meio pelo qual são efetuadas as transações monetárias. É todo ativo que constitua forma imediata de solver débitos, com aceitabilidade geral e disponibilidade imediata, e que confere ao seu titular um direito de saque sobre o produto social.


Glerk, bitcoin, ethereum ou qualquer cripto não é moeda. Você não consegue pegar sua cripto e comprar pão na padaria (por favor, sem mimimi em dizer que seu amigo que mora na California consegue comprar um latte machiatto na padoca high tech da rua dele) ou qualquer produto em praticamente qualquer país – antes você precisa converter sua cripto em uma verdadeira moeda para adquirir um bem ou solver seu débito.


Em resumo, criptos são PRODUTOS, e não moedas. Produtos fictícios, vale ressaltar.

Definição de ativo:

Pode ser classificado como ativo tudo o que pode ser convertido em dinheiro de alguma forma. Por exemplo, o dinheiro em banco é um ativo, o estoque da empresa pode ser vendido e virar dinheiro, então é um ativo, o carro da empresa pode ser vendido e virar dinheiro, então é um ativo.


Ok, produtos e dinheiro são ativos, então cripto moedas também são, porém estão longe de poder serem chamadas de moedas.


“Ah, mas eu posso converter reais em bitcoin no Brasil, depois converter bitcoins em dólares lá nos EUA”. Pode mesmo, da mesma forma que você pode ir ao Paraguai, converter dólares ou guaranis em um celular, cruzar a fronteira e vender o celular no Brasil, convertendo em reais. Pode comprar um produto no AliExpress e revender no Brasil, convertendo ele em reais. A única diferença é a volatilidade: enquanto o “produto cripto” varia muito diariamente, seu produto físico varia pela inflação (e eventual câmbio, se for importado).


Por que eu investiria em um produto fictício?


Dependo que alguém queira esse produto fictício para vendê-lo e convertê-lo em MOEDA de verdade.


“AC, você não entende: há uma escassez de critpo moeda” – escassez essa inventada e só daquela cripto. Digamos que sejam mineradas todas as bitcoins possíveis. O que impede de a “coletividade” deliberar sobre aumentar o número de bitcoins em circulação? Ou, mais fácil ainda, por que as pessoas iriam pagar cada vez mais caro numa então escassa bitcoin se é possível comprar centenas de produtos semelhantes?


Veja bem, pouco me importa falar aqui sobre segurança, blockchain, impenhorabilidade, “fora do alcance dos governos”, “criada pelo povo e para o povo” ou qualquer retórica a respeito de cripto moedas. Estou escrevendo sobre o que são no mundo real.


“Eeeeeeeee dor de corno! Nunca comprou, tá vendo uma galera multiplicar patrimônio com as criptos e tá aí difamando”. Nada disso, caro leitor. Também nunca comprei ações da Tesla, Apple, Banco Inter ou Magalu, nem por isso vou sair detonando esses ativos.


Não quero afirmar que criptos são pirâmides, só reflita comigo: se ninguém mais quiser comprar uma ação de uma empresa, um fundo imobiliário proprietário de um prédio, um título do Tesouro Nacional ou uma debênture de concessionária de energia, a empresa vai deixar de existir, o prédio vai sumir, o Governo vai acabar ou a concessionária vai falir? Negativo a todas as respostas.


A empresa seguirá existindo por seu valor contábil, o fundo continuará sendo proprietário do prédio e acruando seu aluguel, o Governo seguirá existindo e a concessionária precisará buscar outro meio de empréstimo. Você, o titular dos ativos, continuará sendo sócio de uma empresa que poderá distribuir lucros (sujeito à recompra de sua ação pela empresa), proprietário de uma fração de um prédio, titular dos juros que o Governo e a concessionária prometeram pagar (passíveis de ações judiciais e inúmeras medidas protetivas em caso de calote, mesmo que demoradas).


Agora, e se cada vez menos pessoas quiserem comprar bitcoin, Ethereum, etc? Se 70% dos investidores concluírem que nada se compra com cripto, a não ser dinheiro de verdade, e quiserem fazer a conversão? Você, que não vendeu, terá um produto fictício na tela do seu computador ou no seu pen drive e dependerá que novas pessoas ACREDITEM que aquele produto é uma boa opção de investimento.


Adoraria ler seus contra-argumentos nos comentários demonstrando que criptos não dependem exclusivamente de novos crentes para que seus preços subam e elas sigam existindo.


O fato é que o mundo é mais tecnológico a cada segundo e, enquanto criptos tiverem suas imagens vendidas – por proprietários - como o novo ouro; enquanto crentes no argumento comprarem essa imagem e as criptos; os produtos inventados perpetuarão. Talvez você morra sem que o número de descrentes supere o de crentes; talvez você resolva converter seus ativos inventados em qualquer moeda de verdade ainda com lucro (aliás, torço por isso, não quero que nenhum leitor daqui tenha prejuízo).


Há pouco tempo ruíram algumas pirâmides no RJ, dentre elas duas “empresas” que vendiam juros de 10% ao mês ao comprador/investidor, a primeira dizendo que aplicava o dinheiro em bitcoin; a segunda dizendo que sabia a fórmula mágica para ganhos em apostas esportivas. Se realmente davam tais destinos ao dinheiro, não sei, mas sem dúvida a segunda era bem mais honesta deixando claro que apostava a grana.


Abraço


Obs: apostei 5k há alguns meses num fundo de cripto (e vou deixar lá), assim como já joguei umas pratas fora em sites de poker, blackjack e jogos de futebol.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Perdi metade do meu patrimônio

 


Não foi fazendo trade, não foi em pirâmide financeira, apostas esportivas, nem em algum jeito de ficar rico rápido.


Foi minha mentalidade que mudou. Você já leu exaustivamente fora e dentro do círculo FIRE que tempo é dinheiro; trabalhamos dando nosso tempo em troca de dinheiro; etc. A aposentadoria “regular” e a aposentadoria privada (seja como produto bancário ou complemento do empregador) nada mais são do que a troca de reserva financeira por uma renda vitalícia (eu sei que na privada há opções de renda temporária, dentre outras, mas deixe eu simplificar).


Assim, a partir de agora em meu balanço mensal (privado) vou separar os ativos que comprei para gerar e usar a renda como “não-patrimônio” – e hoje eles representam em torno de 50% do total que tenho. Imóveis físicos alugados, FIIs e ações que comprei com foco em dividendos serão somente minha “renda”, minha “aposentadoria”, enquanto o resto dos ativos (no exterior, imóveis para ganho de capital e ativos de RF) serão o patrimônio propriamente dito.


Evidente que não vou largar às traças esse patrimônio que acabei de “perder” e converter somente em renda, até porque tenho a opção de modificá-lo para conseguir melhora da renda, seja reinvestindo parte dela na mesma classe, seja entendo que determinado ativo não faz mais sentido (ex: vendi um FOF de FII que tinha posição pequena e não vislumbrava razão de mantê-lo, usando a grana numa emissão underprice de outro FII com gestão melhor).


Já li fechamentos mensais de várias pessoas e há quem conte até a moeda do bolso da calça, enquanto há quem desconsidere como patrimônio o imóvel que mora, já que não pretende vender, tampouco gera renda.


Perdoe-me o sensacionalismo do título do post, porém eu optei por encarar, de agora em diante, que não “tenho” mais essa fatia de patrimônio, e sim uma renda mensal da “aposentadoria” (flutuante e com algum risco, ciente).


Por que tomei essa decisão?

1) Para lembrar sempre que, aos 34 anos, fiz a escolha de trabalhar cada vez menos, abdicando da construção de uma aposentadoria mais voluptuosa em prol de uma vida mais plena de outras coisas senão dinheiro; e


2) Porque todo ser humano tem metas. Olhar minha planilha de fechamento mensal com metade do valor que via até o mês anterior será um drive para não cair numa zona de conforto mental e buscar desenvolver projetos e aptidões que me tragam prazer e satisfação pessoal, além do meu próprio trabalho já costumeiro, o qual venho sendo cada vez mais seletivo.


Patrimônio é só um número na tela; renda é como você vive. Talvez você esteja pensando “por que então não transforma tudo em renda e vive com o dobro?”. Também já pensei nisso, claro, só que há várias razões para não fazer isso, dentre elas: poderia levar a uma vida de excessos e desperdícios, tornando bem fácil formar um círculo vicioso de consumo e despesas; utilizar toda a renda seria garantia de perda de poder de compra ao longo dos anos, o que levaria à derrocada de uma decisão FIRE; e, fazer o certo, reinvestir parte da renda… levaria a acumular patrimônio! Assim, fico mais confortável deixando, desde já, metade (agora o total) do patrimônio como um barco salva-vidas e área de manobra para o sempre incerto futuro.


ACHEI PÉSSIMA SUA IDEIA


Você tem todo direito de não concordar com minha abordagem. Nos EUA é bem comum a compra de uma annuity, instrumento que você dá uma quantia de dinheiro à seguradora e ela te dá uma aposentadoria vitalícia (pode ser temporária, deixe eu facilitar de novo) em troca, ou seja, você dá o dinheiro e eles de remuneram com previsibilidade pelo resto da vida, reajustada por um índice pré-determinado. Claro que seguradora e banco não costuma jogar pra perder, mas quem disse que, com esse dinheiro na mão, você necessária iria “ganhar”?


No Brasil isso também existe e é uma parte do meu portfolio, na forma de previdências privadas, atualmente divididas em 2 seguradoras e 3 fundos distintos. Se você tiver em mãos sua apólice da previdência, neste link oficial da SUSEP, pode simular, conforme a regra do plano, quanto será sua renda (a valor presente). Veja abaixo uma simulação minha:

 

Responda rápido: você prefere 500k na conta ou 2k/mês pro resto da vida?


Trazendo ao presente, se hoje eu tivesse 65 anos e 500k, poderia bater na porta da Icatu, entregar a grana e eles me darem R$ 1.992,18, corrigidos anualmente pelo IPCA (regra do plano), pro resto de minha vida, o que é equivalente a 0,40% ao mês sobre os 500k que entreguei. Esse tipo de decisão é irretratável. À primeira vista você pode pensar “hahaha, eu bato isso com consistência todos os meses”. Ok, não duvido, mas você quer passar até os últimos dias da sua vida estudando o mercado? Lendo relatório gerencial, balanço e decifrando sopa de letrinhas (p/vp, YoC, etc, etc)? Ou prefere receber um pouco menos, num grau de já lhe satisfaça as necessidades, e não se preocupar em investir?


Não estou dizendo que esse é o caminho certo, apenas abrindo os olhos do leitor para mais uma opção de aposentadoria, uma das mais passivas e garantidas, a meu ver. “Ah, mas a seguradora pode quebrar!”, pode, assim como o Governo pode dar calote nos títulos do Tesouro ou confiscar poupança; suas empresas da B3 falirem; suas criptos derreterem ou serem perdidas; suas LCI/LCA/CRI/CRA derem default… tudo tem sua dose de risco.


AC, VOCÊ FALOU QUE O PATRIMÔNIO NÃO CONTABILIZADO É DE FIIs E AÇÕES!


Sim, na presente data é isso. O patrimônio contabilizado engloba minhas previdências mencionadas porque nelas terei a opção de optar pela renda mensal vitalícia (ou temporária com valor maior conforme menor for o tempo de renda) ou SACAR o valor. Hoje os aportes são em 3 fundos que tem taxa de administração, como os de uma corretora comum, porém o IR sobre o ganho de capital é o menor do mercado não isento: 10% sobre o ganho para aportes com 10 anos ou mais. Significa que se eu desejar sacar o montante acumulado aos 65 anos, tudo que aportei até os 55 terá IR de 10% somente sobre os ganhos (obs: eu só aporto em VGBL com tributação regressiva). Pode ser que, nessa idade, eu pense e repense se saco a grana ou se opto pela renda vitalícia.


Hoje eu preferi utilizar no portfólio rentista somente FIIs (60%), imóveis físicos (30%) e ações (10%) por conta da desvantagem atuarial que teria em uma previdência (em função da idade) e por acreditar que estamos no início de um novo ciclo imobiliário que dentro de 10 a 15 anos pode ter seu novo auge (como ocorreu de 2011 a 2014). Atualmente, nos EUA, os preços dos imóveis já ultrapassam os da época da crise subprime (vide inúmeras notícias sobre isso na internet).


CONCLUSÃO


Diversificar segue como chave para uma noite tranquila de sono. Agora diversifico a forma de encarar renda e patrimônio.


Obs1: esses 50% do total de patrimônio (agora geradores de renda) equivalem a uma TSR/SWR de 3% ao ano (sobre o total do patrimônio “velho”). Nada mal se tratando somente de dividendos, sem nenhuma venda de ativos.


Obs2: levei cerca de 14 meses para migrar a carteira anterior para esse pedaço de portfólio previdenciário que gera renda adequada à minha necessidade (com alguma margem de folga). A rentabilidade nesse período de montagem foi de 4,28% (em 14 meses), considerando os dividendos recebidos.


Abraço

sábado, 21 de agosto de 2021

Pra que investir no exterior?

 


Antes de mais nada, deixo aqui minha recomendação ao curso “Como Investir no Exterior”, do Alex BP Milhão, autor do blog homônimo e do site Como Investir no Exterior, que quase sempre está conosco no Boteco Fire. Se você se sente inseguro de investir no exterior, seja por medo da língua, da regularização sobre o assunto ou da estratégia de investimentos, o curso dele irá esclarecer todas as dúvidas e, sem dúvidas, te dará suporte para sair da estaca zero ou se aprofundar no assunto, caso já invista lá fora. A qualidade do conteúdo gratuito (blog, podcast e Youtube) já é fantástica, então, mesmo sem ter assistido, posso atestar que seu dinheiro será bem investido no curso, cujo valor já é bastante honesto.

Obs: o link acima NÃO é afiliado, não tem desconto especial e eu não estou ganhando nada indicando. Estou apenas promovendo a educação financeira, um dos pilares desse blog.

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Vou aproveitar o jabá camarada acima e tocar no assunto, já que faz tempo que não abordo aqui. Quem navega pela finansfera sabe que o Sr. Resmungão IF 365 vem fazendo coro à proposição de que, mesmo que você nunca pretenda morar no exterior, deveria ter parte do patrimônio em moeda forte – e eu concordo com isso. Brincadeiras à parte, o Luiz (com “z”, se chamar com “s” ele fica mordido) traz bastante reflexão sobre o assunto e, quem se interessar, dá uma conferida no canal dele do Youtube.


Ter patrimônio alocado fora do Brasil dá conforto em saber que você não fica refém de um só governo e suas políticas; permite que você utilize o dinheiro em viagens para o exterior, pois mesmo que não seja em país na mesma moeda investida (quase sempre dólar), a conversão quase sempre é mais favorável e ajuda seu psicológico para aproveitar mais a viagem, já que você não está “tirando dinheiro do Brasil” para curtir a vida no estrangeiro; permite que você diversifique em diversas empresas e instrumentos que não existem no Brasil, fazendo sentido para uma gestão de risco patrimonial.


Daí tu se pergunta: e tu tens o que lá fora, AC? Bem, 2/3 da grana lá fora estão em 6 fundos mútuos, desses que tem taxas mais altas mesmo oferecidas por bancos e corretoras. Tem de bonds high yield, bons high grade, foco na Ásia, foco em mercado total dos US e um que tem carta branca pra alocar no mundo todo. O desconhecimento do mercado e o receio de fazer cagada me levaram a, inicialmente, colocar toda a grana que aportei nesse caminho mais fácil. Mantive assim porque em 3 anos de portfolio balanceado deu um retorno médio aproximado de 7% (em dólar; em real dá bem mais por conta do câmbio), dentro do que eu esperava. O outro 1/3 está em quase 30 ações e ETFs, fruto de uns meses que eu estudava uma empresa, cria na tese e comprava um pouco.

Em meus aportes futuros pretendo somente aumentar posições em ETFs para voltar a “fazer o simples” e, quem sabe, até me desfazer de algumas empresas atuais para diminuir a lista de ativos e facilitar a vida e os estudos (que, confesso, não foram muitos para aplicar lá fora).


Ando meio desligado da finansfera “sem querer querendo”, parte porque a vida não é só pensar em dinheiro e estratégias para multiplicá-lo e mantê-lo, parte porque sigo na vida nômade e a intensidade dos meus dias tem uma dimensão que jamais imaginei. Quando dá tempo, tenho priorizado gravar com os amigos e os excelentes convidados no Boteco Fire, mas este blog não irá morrer e, se você também for blogueiro, em breve voltarei à leitura de suas ideias (sou fã de todo mundo que comenta aqui e tem blog também, seria difícil nomear todos).


Abraço