“A felicidade não
depende do quanto você tem para desfrutar, mas de quanto você desfruta do que
tem.” – Tom Wilson
Eu nunca fui minimalista, mas sempre
comedido. Gastava um bocado com restaurantes e compras inúteis de bugingangas
chinesas, porém nunca, nunca mesmo, gastava mais do que ganhava no mês.
A única dívida que tive na vida
foi um financiamento imobiliário, sendo que, apesar de ter o dinheiro para
comprar o imóvel à vista, preferi usar para investimentos (que felizmente
superaram os juros do financiamento – NÃO recomendo essa estratégia, foi um
período excepcional e eu paguei ALTOS juros ao banco).
Na minha trajetória (https://www.aposentecedo.com/2019/12/trajetoria-do-aposente-cedo.html),
você pode notar que eu era quase nômade, pois me mudava com frequência sempre
que arrumava alguém pra comprar minha residência com um lucro mínimo que eu
projetava.
Como bom ser humano médio, a cada
mudança eu aumentava o padrão de vida. A cada aumento, mais bens se tornavam
“necessários”.
Primeiro imóvel: quitinete de
20m². Cama, geladeira, TV, máquina de lavar, fogão de 2 bocas.
Segundo: quarto e sala de 45m².
Todos os bens anteriores + “é hora de ter um fogão de 4 bocas” + “já que tem
sala, preciso de um sofá e uma mesa de jantar”.
Terceiro: 2 quartos de 62m² (e
num bairro mais caro). Todos os bens anteriores + “bem, já que tem um segundo
quarto, vou botar uma cama de hóspede” + “como a cozinha é maior, vou comprar
uns nichos pra colocar garrafas de bebida” +
“agora vou ter um guarda-roupas grande e bonito”.
Quarto: 3 quartos de 90m² (no
mesmo bairro mais caro). Todos os bens anteriores + “puxa, com essa cozinha grande, vou botar
uma mesa aqui e comprar outra pra sala de jantar” + “essa parede merece um
quadro bonito” + “agora posso ter aquela bicicleta dentro de casa” + “sou uma
pessoa só – vou fazer um dos quartos de escritório e outro quarto para visitas”
+ “opa, uma rede aqui ia ficar legal” + “na área não bate muito sol, então vou
comprar uma máquina que lava e seca”.
-- Observação: a partir daqui, havia concluído que era melhor parar de
comprar imóvel para moradia e passar a morar de aluguel, usando o saldo para
novos investimentos.
Quinto (mudança para um bairro
beeem distante, mas com melhor qualidade de vida): 3 quartos de 100m². Padrão
anterior praticamente mantido, visto que a nova distância para os afazeres
habituais da vida demandava uma adaptação que poderia não ocorrer. Como estava
bem mais distante, era “hora de comprar um carro de novo”, após mais de 6 anos
sem carro.
Sexto (no bairro distante, houve
uma boa adaptação): MANSÃO. Terreno com mais de 1.000m², casa principal com
cerca de 300m², 5 quartos, 2 salas imensas, varanda circular, piscina aquecida
4 x 8, churrasqueira e sauna; casa de hóspedes com 50m² e dois quartos; capela;
garagem coberta para 4 carros e descoberta para 16 carros; viveiro; árvores
frutíferas; horta; casa de funcionários com 2 quartos (cerca de 35m²). Só o
banheiro e closet da suíte master eram maiores que meu primeiro imóvel.
Era isso, hora de “viver o sonho”.
O patrimônio tinha crescido, a renda ativa e passiva também e eu “merecia”.
Bem, “não dava” para deixar tudo vazio. Gastei o equivalente a um carro popular
0Km só para mobiliar tudo, afinal, uma sala imensa “precisava” de uma mesa
maior (8 lugares), um sofá de 3m de comprimento, um painel gigantesco de TV,
uma geladeira extra pra área da churrasqueira, itens para churrasco (facas,
espetos, etc), um aparelho de jantar para a área externa, mais uma cama de
hóspedes... já que tem ainda dois quartos vazios, “vamos fazer um quarto de
música aqui e uma sala de ginástica ali”. Óbvio que com uma varanda circular
bonita daquelas, tinha que comprar uma mesa de sinuca.
Depois de algumas dezenas de
milhares de reais gastos para “viver o sonho” e deixar “a casa pronta”, era só
desfrutar – só que não. Tá caindo muita sujeira na piscina – temos de comprar
uma lona sob medida para cobrir. Claro, tem que contratar um piscineiro pra
mantê-la limpa ao menos 1x na semana. Com um terreno daquele tamanho, tinha que
contratar um jardineiro. A faxineira que até a casa anterior ia 1x por semana,
pra fazer o “grosso”, passou a ter que ir 3x na semana (junto com o vínculo
empregatício e os encargos de férias, 13º, etc). Quinzenalmente alguma coisa em
algum lugar do imóvel gerava manutenção: chama o rapaz pra trocar telha,
emendar um cano, limpar a calha, ajeitar uma fiação...
Muitos cômodos, muitas luzes.
Conta de energia elétrica triplicou em relação à residência anterior. Conta de
água quintuplicou por causa da piscina e pequenos problemas hidráulicos que
apareciam cada hora em um lugar. Não dá pra manter a horta vazia, então bora lá
comprar mudas, sementes, adubo, veneno pra pragas e formigas, etc. Sauna tem
que ter pedras específicas e essência de eucalipto pra ter graça. O terreno tá
mal iluminado, hora de instalar uns refletores adicionais. Opa, bebê a caminho:
temos de instalar grade em volta da piscina.
Bem-vindos ao maximalismo, o
oposto do minimalismo.
Os custos intrínsecos desse
upgrade de vida não foram devidamente calculados. No final da equação, o
orçamento doméstico era muito superior ao previsto (felizmente, ainda abaixo
das receitas mensais), o que diminuíra drasticamente a taxa de poupança e
atrasaria minha jornada FIRE.
A verdade é: sim, aproveitei 70%
de tudo. Malhar em casa de chinelo e sem camisa, fazer sauna peladão, churrasco
com amigos finais de semanas alternados, tocar um som com a rapaziada, comer
verduras e legumes da própria horta, tudo isso era muito bom. Sim, era feliz
ali, porém tinha um objetivo maior.
A continuidade naquela
residência, sem dúvida, retardaria em alguns anos a aposentadoria antecipada e
poderia colocar em risco o equilíbrio das finanças, visto que não tenho salário
fixo.
Essa jornada maximalista foi um
aprendizado anti-Fire e de vida.
Minha família sempre foi simples,
mas nunca possuiu grandes dívidas ou passou necessidade; na faixa dos 30 anos
ambos os pais tinham seu apartamento próprio e algum trocado na poupança.
Talvez o maximalismo tenha me subido à cabeça após subir alguns degraus na
escada social de onde iniciei.
O grande aprendizado de vida foi
tocante à uma crítica comum que os Firees fazem àqueles que fazem parte da
corrida dos ratos: não se adequarem a um padrão de vida superavitário. Eu mesmo
inúmeras vezes critiquei alguém que estava se endividando, porém se recusava a
baixar o padrão de vida. Criticava porque pensava que era “simples” se desfazer
de alguns luxos, se mudar pra um imóvel menor, para um bairro de classe social
mais baixa, etc. Não é. Afirmo isso porque esse ano eu me mudei da mansão para
um apartamento de 2 quartos. Por opção.
É incrível como, apesar de não
ser materialista (taque pedra à vontade, mas sei que não sou), cada pessoa que
ia na mansão comprar a mesa de jantar mega-blaster, os aparelhos de academia, o
sofá gigantesco, os instrumentos musicais, etc, etc, parecia que estava me
dando uma facada. Em parte estava, já que vendi tudo por cerca de 50% do valor
de aquisição e tudo estava em perfeito estado.
Era curiosíssimo como eu e minha
esposa chegávamos a chorar quando algum móvel (especialmente os que usávamos
intensamente) saía daquela casa, cada dia mais vazia, mas 5 minutos depois
estávamos rindo e mais leves, felizes que todo aquele desapego visava um bem
maior num futuro próximo.
Como o apartamento atual é
semi-mobiliado, livrei-me de 95% dos móveis que possuía, mantendo somente
alguns eletrodomésticos, uma cama de casal, roupas e os itens do primogênito.
Alguns meses depois da mudança, estamos mais felizes, mais leves, não
precisamos mais de nenhum prestador de serviço doméstico e a vida parece mais
simples, com uma rotina fácil de lidar, mesmo com todos os transtornos da
quarentena.
Também nesta última mudança
doamos 50% de nossas roupas e outros bens que não possuíam liquidez ou que
tinham valores de revenda (usados) que não valiam a pena o trabalho de ficar
anunciando e vendendo (é uma ladainha danada quando você tem dezenas de coisas
para vender) e, a cada dia, nos tornamos mais minimalistas. Todos os bens de
minha família, incluindo móveis, hoje caberiam em um imóvel de 20m², o que,
curiosamente, remonta à origem de minha vida adulta morando sozinho.
Como a Elsa postou mês passado (http://www.sempresabado.com/o-verdadeiro-segredo-da-vida-fire/
), o segredo da vida FIRE não é ter um patrimônio que te proteja de tudo; o
segredo da vida FIRE é ter uma vida tão simples que dificilmente sua
sobrevivência estaria ameaçada.
Agradeço à Yuka, do blog https://viversempressa.com/, pelos
excelentes ensinamentos sobre minimalismo, os quais sempre agregam para um grau
de satisfação cada vez maior com cada vez menos posses.
E você, leitor, prefere ser
maximalista ou se aposentar cedo? O nome do meu blog me denuncia.